
Entre
outros elementos, a prolixidade é absorvida como meio de evidenciar as razões
pelas quais surgiram os incidentes. A decupagem empregada nessas obras corresponde
ao objetivo a ser alcançado pelo realizador. Xavier aponta que,
As correlações
entre o desenvolvimento dramático e o ritmo da montagem, assim como o jogo de
tensões e equilíbrios estabelecido no desfile das configurações visuais, são
dois instrumentos à disposição de qualquer cineasta. O que é característico da
decupagem clássica é a utilização destes fenômenos para a criação, no nível
sensorial, de suportes para o efeito de continuidade desejado e para a
manipulação exata das emoções (2005, p.34).
O diretor, Alfonso Cuarón, imprime em “Gravidade” (2013) a organização linear, discutida a
seguir. Com isso, se apropria dessa redundância, pois a história necessita
ressaltar os dilemas e a tentativa de uma engenheira médica – em missão
espacial –, para retornar à sua realidade.
Alfonso Cuarón traça a história de uma Engenheira médica, que está em sua primeira missão espacial, Dra. Ryan Stone, acompanhada pela tripulação, porém de forma constante por Matthew Kowalski (George Clooney), um astronauta veterano. Por razões de um choque com estilhaços oriundos da um satélite, a nave estadunidense é atingida, levando a cabo a vida de toda a tripulação, restando a princípio, Stone e Kowalski. Devido a novas interferências, Stone torna-se a única sobrevivente, criando um embate em torno de suas tentativas de voltar à Terra. A engenheira, neste instante, faz a travessia do primeiro limiar, não podendo voltar atrás em suas decisões (VOGLER, 2006).
O
diretor, ao longo do enredo, não se confronta com artifícios, de certo modo,
corriqueiros como o flashback. O
filme é relatado de forma linear, a partir do instante em que os personagens já
estão efetuando uma ação. Sendo assim, o plot
de “Gravidade” aborda a missão, já em andamento, até o desfecho de Ryan,
quando retorna ao seu destino. Cuarón apresenta o recorte desse momento da vida
das personagens. Sendo assim, a diegese fílmica.
De
acordo com Vanoye, “O termo diegese, próximo, mas não sinônimo de história
(pois de um alcance mais amplo), designa a história e seus circuitos, a
história e o universo fictício que pressupõe (ou ‘pós-supõe’), em todo caso,
que lhe é associado (...)” (1994,
p.10). O diretor, portanto, revela os percalços vivenciados pela protagonista de modo a acompanhar gradativamente sua busca pelo objetivo. A questão do flashback, mencionada anteriormente,
teria espaços dentro da trama, porém a opção de Cuarón foi a de manter a
linearidade e a focalização no contexto das ações de Ryan.

(...)
temos a continuidade produzida como resultado de uma manipulação precisa da
atenção do espectador, onde as substituições de imagem obedecem a uma cadeia de
motivações psicológicas. Passamos de um plano de conjunto a um primeiro plano
de um rosto porque, da própria natureza da ação representada, surge uma
solicitação que é atendida justamente por esta mudança de plano (2005, p.33).

O
filme hollywoodiano clássico apresenta indivíduos definidos, empenhados em
resolver um problema evidente ou atingir objetivos específicos. Nessa sua
busca, personagens entram em conflito com outros personagens ou com
circunstâncias externas. A história finaliza com uma vitória ou derrota
decisivas, a resolução do problema e a clara consecução ou não-consecução dos
objetivos (2005, p. 278-279).
Dessa forma, o exemplo de “Gravidade”, como
narrativa clássica, traça a concatenação do enredo de modo objetivo, gera um
escopo, possível de ser identificado pelo espectador. Nesse exemplo existe a
objetividade e a clara apresentação da trajetória e os meandros a serem
solucionados durante a trama. Para tanto, Bordwell (2005), apresenta a designação
de fábula e syuzhet. De acordo com o
autor, fábula está relacionada à história a ser contada em ordem cronológica
dos acontecimentos, syuzhet, oferece
a exposição ordenada das ações da fábula.
Assim, “Gravidade” harmoniza as ações em que o
espectador observa, em termos de imagem e sonoridade, desde a apresentação da
ambientação do filme, com a Terra em evidência, na primeira imagem com ausência
de som, já que os personagens estavam em uma missão espacial, onde o som não se
propaga. Neste momento, é possível ouvir ao longe a conversa estabelecida por
Ryan e Kowalski. Em conjunto, Cuarón abre espaço para planos subjetivos, em que
o espectador tem a oportunidade de enxergar por meio da visão de Ryan. Sobre
esse aspecto, Browne, menciona que, “a identificação nos convida, como
espectadores, a estar em dois lugares ao mesmo tempo: onde está a câmera e
‘com’ a pessoa representada” (2005, p.240). A fábula, além disso, revela o que
o espectador pode deduzir a partir do que é visível. Ou seja, as relações não
explícitas entre Ryan e sua vida cotidiana, levando a uma possível fragilidade
da engenheira.
Com isso, embora a história esteja inserida em
ambiente incomum, além das ações exageradas nas tentativas de ida à estação
russa e, em seguida, à chinesa, de modo incrível, a questão a ser abordada é a
narração clássica imbuída por Cuarón. “Gravidade” soma a linearidade à narração
clássica, evidenciando a todo o momento o objetivo da protagonista.
No plano do syuzhet,
o filme clássico respeita o padrão canônico de estabelecimento de um estado inicial
de coisas que é violado e deve ser restabelecido. Na verdade, os manuais
hollywoodianos há muito insistem em uma fórmula que é resgatada pela análise
estrutural mais recente: a trama é composta por um estágio de equilíbrio, sua
perturbação, a luta e a eliminação do elemento perturbador (BORDWELL, 2005, p.
279).
Dentro
desse contexto, a obra de Cuarón se relaciona de forma híbrida a dois gêneros:
drama e ação. O primeiro, pois existem elementos dramáticos relacionados à
psicologia da personagem e suas autoindagações, bem como, sua relação com o Universo,
estando absorvida por ele, e passando por conhecimento em relação à sua própria
capacidade. Porém, sem aprofundamento. Nogueira
menciona diferentes gêneros e suas respectivas características. O autor traz
distintas referências sobre o drama. A respeito de “Gravidade”, o drama bélico
relatado por Nogueira, se aproxima das particularidades do filme em questão.
Isso porque, Ryan tende a se fortalecer e proporcionar seu autoconhecimento.
O drama bélico remete necessariamente para
circunstâncias de elevada violência como são necessariamente os cenários de
guerra ou as suas consequências; perante o inimigo e perante a morte, o indivíduo
questiona ou descobre a sua plena e autêntica humanidade (ou a sua ausência) (2010,
p. 24).
O segundo gênero refere-se ao modo como as
personagens são expostas às missões. Tendo de passar por estações espaciais de
modo eficaz, como ocorreu com Ryan.
A
constante exposição a uma sucessão de filmes leva o público a reconhecer que
certos elementos formais são dotados de um significado extra. (...) Isso pode
ser mais bem compreendido através da noção de que um filme de gênero depende de
uma combinação de novidade e familiaridade (BUSCOMBRE, 2005, p. 315).
Sobre as características de uma obra fílmica de
ação, Nogueira lembra que, “o seu objectivo é, portanto, proporcionar ao
espectador um experiência [sic] de grande hedonismo. Os filmes tendem, desse
modo, a esgotar o seu potencial hermenêutico muito rapidamente” (2010, p. 18).

Com a iminência da morte, a engenheira se desloca para fora, com a
intenção de retirar o paraquedas que impedia a sua fuga. Os trajes russos,
vestidos pela protagonista são modestos, em relação aos de seu país. Na estação
chinesa, a comunição é restrita. Como forma de auxiliá-la, Kowalski (mentor),
reaparece. Dessa forma, “Gravidade” destaca suas características de narração
clássica, com ferramentas que permitem o dinamismo do enredo, sem a
interferência de elementos adversos, que possam desviar-se desse contexto.
TRAILER
[2] “(...) a história de um herói é sempre uma jornada. Um herói sai de seu
ambiente seguro e comum para se aventurar em um mundo hostil e estranho”
(VOGLER, 2006, p.35).
REFERÊNCIAS
BORDWELL, David. O cinema clássico hollywoodiano: normas e princípios narrativos.
In: RAMOS, Fernão Pessoa (org). Teoria
contemporânea do cinema. Volume II. São Paulo: Senac, 2005.
BROWNE, Nick. O espectador-no-texto: a retórica de No tempo das diligências. In: RAMOS, Fernão Pessoa (org). Teoria contemporânea do cinema. Volume
II. São Paulo: Senac, 2005.
BUSCOMBRE, Edward. A idéia de gênero no cinema americano.
In: RAMOS, Fernão Pessoa (org). Teoria
contemporânea do cinema. Volume II. São Paulo: Senac, 2005.
NOGUEIRA, Luís. Géneros Cinematográficos – Manuais de Cinema II. Covilhã: Livros
LabCom, 2010.
VOGLER, Christopher. A jornada do escritor: estruturas míticas
para escritores. Trad. Ana Maria Machado. 2ª edição. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2006.
XAVIER, Ismail. O Discurso
Cinematográfico – A Opacidade e a Transparência. 3ª ed. São Paulo:
Paz e Terra, 2005.
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