quarta-feira, 6 de junho de 2012

Cinema Comentado


Solidão em conflito
A sociedade e sua rede de aparências em uma crítica de Scorsese

Nathalia Cavalcante


            A palavra “trama” cabe muito bem a Taxi Driver. O filme de Martin Scorsese foi às telas de cinema, em 1976, e enredou o público em uma história de conflito pessoal de um jovem Robert De Niro, dono de umas das personagens mais enigmáticas: Travis Bickle. O motorista de taxi, de 26 anos, sofre com insônia constante, e é incomodado com a sujeira da cidade. A imundície referenciada por Travis não está, necessariamente, no lixo das ruas, mas sim, nas pessoas, no modo como encaram a vida. A crítica é direcionada a sociedade.
            A solidão que acompanha a rotina de Travis, ao passo que poderia trazer momentos de calma, para ele, é um período de inconformismo e agitação, já que não se encontra naquela sociedade suja. É evidente que ele busca uma inserção, seja na roda de conversa de seus colegas de trabalho, ou em um encontro frustrante, com Betsy, uma jovem que trabalha no comitê de Palantine, um candidato à presidência que promete, com veemência, realizar mudanças na sociedade. Mesmo assim, Travis não consegue uma inserção efetiva.
            Os dias passam, vagarosamente, para ele. Não há o que fazer. Mas, a inquietação o deixa cada vez mais decidido a tomar uma atitude. E, assim, a mudança começa a ser gerida. O estopim é o encontro inesperado com Iris, uma garota de 12 anos, interpretada por Jodie Foster, no seu segundo filme com Scorsese. A jovem, transtornada, entra no táxi de Travis, porém, Sport, a retira do carro, joga uma nota de dinheiro amassada, e pede para que ele esqueça aquela cena. No entanto, Travis não se conforma com o que presenciou e por alguns dias a segue. A missão, a partir daquele momento, era “limpar a cidade”. Para ele, o que poderia tirá-lo daquele desconforto, era fazer justiça com as próprias mãos. Depois de comprar um verdadeiro arsenal de um caixeiro, Travis mergulha em seus questionamentos.


 A primeira ação aconteceu sem planejar, em um pequeno mercado, durante uma tentativa de roubo. Travis estava com uma das armas, e assassinou o bandido. Foi encoberto pelo dono do estabelecimento, já que não possuía licença. Esse episódio o fortaleceu e, com isso, ele se muniu de armas para atingir o primeiro alvo, Palantine, mas a experiência ousada não lhe rendeu o resultado que queria.  Por mais que não se interessasse por política, a demagogia presente nela, não o agradava. Daí o motivo para alvejar o candidato à presidência.
Iris, vivida por Jodie Foster
            Depois disso, viria a verdadeira razão de sua mudança: Iris. A garota, que se submetia aos desmandos de Sport, que a explorava, tornou-se a principal missão de Travis. Para ele, era necessário retirá-la daquela situação e devolvê-la aos pais. A vida desregrada de Iris transformou Travis. A rotina exaustiva, dirigindo o taxi, havia se modificado. O comportamento do pacato taxista passou a dar lugar a um justiceiro. Como se não tivesse nada a perder, e até mesmo, como se fosse o único a enxergar aquela realidade, Travis, decidiu  não permitir a continuidade daquela condição que sujava a sociedade.
            As indagações, desde a cena em que questiona o espelho com a famosa frase “Are you talkin' to me?”, passando pelo pontapé na TV, ao gran finale, a interpretação de De Niro é perturbadora, pois, embora a personagem siga em uma linha de cotidiano, sem grandes acontecimentos aparentes, o seu psicológico se evidencia. Esse elemento de atuação somado à simbologia que o diretor apresenta, por meio de um corredor vazio, com a voz de Travis ao fundo se desculpando com Betsy, pelos instantes em que ele está acompanhado pelos colegas, mas ao mesmo tempo desolado, remete a condição deslocada de Travis.
O sujeito de atitudes estranhas, ignorado e motivo de risos, que não se posiciona em uma sociedade – que para ele precisa de uma reforma –, também pode tornar-se motivo de orgulho. Esse meio, que estranha Travis, pode se aliar a ele, assim como acontece na vida fora das telas. A discussão de Taxi Driver vai além de uma rotina. Adentra no espaço atual, sem grandes diferenças. Discussões raciais, de gênero, psicológicas, que se misturam e fundem em um espaço onde as pessoas devem conviverem juntas, porém ao mesmo tempo, distantes entre si.
            Assim, Scorsese, escancara em Taxi Driver, por meio das ações inconsequentes, de Travis, o lado que está à margem. O pedaço que insiste em permanecer velado, às escuras de quem passa ao lado e prefere não enxergar. O trecho em que é preferível não conhecer, para não provocar um envolvimento, já que pode ser mais cômodo assistir, somente.


Parceria

Robert De Niro e Martin Scorsese
Essa não foi a primeira vez que Robert De Niro e Martin Scorsese trabalharam juntos. O início da parceria aconteceu, em 1973, com a realização de Caminhos Perigosos (Mean Streets). Com essas produções somam-se mais seis, entre as mais aclamadas, destacam-se Touro indomável (Raging Bull), de 1980, e Os Bons Companheiros (Goodfellas), de 1990. O último encontro foi, em 1995, com Cassino. A dupla promete, após 16 anos, um novo projeto. O da vez é O Irlandês (The Irishman). Desde 2008, a produção está na fila de Scorsese, que já divulgou a presença de De Niro. O roteiro está nas mãos de Steve Zallian, um dos responsáveis por Gangues de Nova York, também de Scorsese, lançado em 2002, com Leonardo Di Caprio e Cameron Diaz no elenco. Agora, resta aguardar a finalização de O Irlandês, e assistir a mais uma parceria de sucesso.

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