sábado, 26 de novembro de 2011

O Orfeu do cinema



Um recorte do carnaval carioca na tela, em meio ao drama que enredou as personagens
      Em 1959 chega às telas o longa-metragem ítalo-franco-brasileiro “Orfeu Negro”, do diretor francês Marcel Camus. O enredo é baseado na peça teatral “Orfeu da Conceição” de Vinícius de Moraes. O então diplomata, conhecido por suas poesias e composições, foi responsável pela tradução da obra. Camus e Jacques Viot a adaptaram para o roteiro cinematográfico.
Orfeu Negro, de Marcel Camus
      A história dramática do casal Orfeu e Eurídice foi transportada da mitologia grega à arte dos palcos e, na sequência, para o cinema. O romance entre as personagens é mantido à moda carioca. O Orfeu do cinema é um compositor, que canta ao som de seu violão. Para os meninos que o acompanha, ele é o responsável pelo nascer do sol. Assim como na mitologia, o dom musical é vigente e encantador para quem aprecia as melodias do protagonista. Na mitologia o instrumento musical é a lira, que representa a musicalidade de Orfeu.
      A versão carioca apresenta uma das características do país: o carnaval. No período em que o filme foi realizado, as escolas de samba ainda caminhavam sem propósitos como as de hoje, e desfilavam somente para diversão. Elas estavam mais próximas aos blocos de carnaval, muito diferente dos holofotes direcionados a essa manifestação cultural, em que celebridades se misturam à comunidade e, muitas vezes, ofuscam a presença de quem vive a realidade do dia a dia do local onde vivem.
     

      Mas, é em “Orfeu Negro” que o som do samba dirige o caminho de Orfeu (Breno Mello) e Eurídice (Marpessa Dawn). A trilha sonora é assinada por Tom Jobim e Luiz Bonfá. De uma forma bem brasileira o filme inicia com “Tristeza não tem fim, felicidade sim...” O cenário é uma favela do Rio de Janeiro. As personagens são os moradores do local, que sambam e se divertem, ao passo que são mostradas a luta no trabalho e a felicidade de viver o carnaval. A canção “A Felicidade” embala as primeiras cenas e outras ao longo do filme.
      Até o momento em que os protagonistas se conhecem, Orfeu era mais um conquistador que, mesmo noivo, não deixava de conhecer novas pretendentes. Mesmo com compromisso firmado – por vontade maior de sua noiva – outras mulheres não deixavam de ir atrás do músico. Porém, quando Eurídice adentra na vida de Orfeu, essa realidade fica para trás.
      O primeiro encontro foi em um bonde que Orfeu conduzia. Eurídice havia acabado de chegar a cidade e ainda procurava a casa de sua prima, que por sinal é vizinha do sambista. A partir disso, o conquistador deu lugar ao romântico, dessa vez, com atenção voltada somente para ela.
      A mitologia se mescla ao enredo, mais intensamente, quando a fatalidade prevista tem de acontecer. Desse modo, o drama também acompanha a vida das personagens. Assim, como na história fantástica grega, um homem fica obstinado por Eurídice e a persegue. Ela tenta fugir desse estranho, incansavelmente. Esse dia ficou marcado no desfile de carnaval. Orfeu representava o sol, Eurídice para conseguir acompanha-lo precisou vestir a fantasia de sua prima, isso para se esconder de Mira, a noiva do sambista. Durante essa passagem começa a tragédia maior do casal.
      O terceiro elemento que invade a vida de Eurídice provoca o destino dramático. Nesse momento a brasilidade de Vinicius de Moraes reajusta a história e, Marcel Camus, a direciona a seu modo. A raiva feminina é representada por Mira, que não aceita a situação. A vida e morte cruzam a existência de ambos, sem possibilidade de escolhas. A beleza poética de Vinicius de Moraes é mantida. As estrofes dão lugar às cenas, os versos aos diálogos.
      O longa-metragem conquistou um Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro, porém como o diretor era francês a estatueta foi levada aquele país. Apesar disso, a essência é brasileira, sem restrições.

Take 2


Orfeu, de Cacá Diegues

      Em 1999, Cacá Diegues lança “Orfeu”, a segunda adaptação da obra de Vinicius de Moraes. O filme além da história já conhecida do casal da mitologia, também leva a favela carioca, os problemas do tráfico de drogas. Eurídice (Patrícia França), dessa vez, chega de avião ao Rio de Janeiro, a prima da primeira versão, deu lugar a uma tia nada simpática. Orfeu (Toni Garrido) continua a ser o responsável pelo nascer do sol, permanece ligado à escola de samba e também carrega a característica de conquistador, até conhecer Eurídice. Orfeu é considerado líder do morro, já que se responsabiliza pelas composições da escola de samba “Unidos da Carioca”.
      Os barracões e o sambódromo tomam lugar da simplicidade do Orfeu de Camus, em que as fantasias eram confeccionadas nas casas da comunidade. No filme de Cacá Diegues o samba-enredo apresenta o funk mesclado à batida do carnaval. A composição é de Caetano Veloso e Gabriel, O Pensador; na voz de Toni Garrido.
      Lucinho (Murilo Benício) é amigo de infância de Orfeu e chefe do tráfico de drogas do morro onde vivem. O protagonista procura aconselhá-lo a deixar essa atividade. Mas, não é levado a sério pelo amigo e Lucinho, por conta disso, atinge Eurídice e encabeça a tragédia. As mulheres que haviam se relacionado com Orfeu não veem, pacificamente, a paixão dele por Eurídice e, com isso, o protagonista se depara com seu destino.
      A música “Se todos fossem iguais a você”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes encerra o drama dos protagonistas. O longa-metragem foi candidato ao Oscar de Melhor filme estrangeiro e participou de festivais de renome.

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