quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Cinema Comentado

Hibridismo cinematográfico
Nathalia Cavalcante

Em “A era do híbrido”, Carlos Alberto Mattos, discute um tema que passou a ser frequente nas produções cinematográficas, em especial, nos documentários brasileiros: A mescla entre ficção e realidade. Esse hibridismo vigente demonstra que os diretores buscam apresentar a “nova tendência”, não apenas como estilo, mas sim, como conceito.
Ao adotar esse caminho, ao expor o enredo, constata-se que a ideia não existe em vão, logo, é empregada a mescla para provocar a reflexão, e, estimular no espectador questionamentos. A análise de documentários que apresentam esse conceito revela que o real – uma das características que o documentário carrega – pode ser, na verdade, um recorte baseado na ficção.
O documentário incorpora traços ficcionais que o colocam em xeque. A ficção, com isso, ao se mesclar à realidade, cria características que a deixa verídica, havendo assim, uma possível similaridade entre os dois modos.
Para Mattos, “por trás desse movimento de naturalização da ficção estava, quase sempre, o interesse por uma espécie de ‘voz legítima’ – dicção e posturas que fossem percebidas como emanadas da realidade retratada e chegassem à tela com força de verdade. Nota-se assim, claramente, uma dinâmica de forças que se projetam para seus lados opostos: o documentário caminha no rumo da encenação enquanto a ficção se aproxima do documentário”.
Esse aspecto levantado pelo crítico reforça que os documentários podem ser confundidos com ficção e vice-versa. Em “Jogo de cena”, de Eduardo Coutinho, documentário que mostra diferentes depoimentos femininos, faz uso desse conceito. A mescla de depoimentos representados por atrizes e falados pelas “personagens reais” legitima que o hibridismo desperta a reflexão.
Hilda Villaça, em “Narrativa e Resiliência em Documentário”, aponta que as atrizes incorporam as histórias de forma que, seja possível, acreditar que são detentoras do relato. Para explicar esse feito, estuda-se a resiliência. “Segundo Boris Cyrulnik, resiliência é a capacidade de uma pessoa ter uma nova atitude perante um sofrimento psíquico, o que constitui um processo de superação, de libertação. (...) Para iniciar um processo de resiliência é necessário narrar novamente o mundo e dar-lhe sentido. Ao buscar respostas a pessoa interpreta, elabora, torna-se dona de sua história. A narrativa propõe um sentido para o acontecimento e estabelece um vínculo com o outro.” (Villaça) A atriz passa a viver a “personagem real”. Mesmo evitando repetir trejeitos, como nos casos de Andrea Beltrão e Marília Pêra, por exemplo – em que ambas sentiram a história sofrida de seus depoimentos –, foi inevitável não incorporar a história. Dessa forma, as atrizes tomaram para si os relatos.
Nesse documentário, “o efeito era minimizar a importância de quem fala para realçar a hegemonia daquilo que é falado. Quando um depoimento encenado se tornava mais ‘real’ do que sua contraparte verídica o que cintilava na tela era verdade da ficção”. Ou seja, se o espectador assistir ao documentário, sem o conhecimento de sua intenção, pode acreditar que a atriz viveu a história construída por ela, por meio da “personagem real”.
Dessa forma, pode-se analisar o título do documentário – Jogo de cena. São representados depoimentos, em um palco vazio de um teatro. Os relatos mesclados podem confundir. Quem é a verdadeira dona da história, afinal? O palco vazio pode denotar que todos são personagens, podendo assim, fazer parte de uma ficção ou realidade. O palco é para todos. As personagens são apresentadas como exemplos de histórias, que podem acontecer com outras pessoas também. As atrizes representam, assim como as “personagens reais”, podem representar. Há a mescla, não somente de depoimentos, mas também de personalidades.

Texto disponível na 50ª edição, página 6.
http://www.filmecultura.org.br/

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